Antes de chegar ao Governo, o dirigente do CDS assessorou multinacionais
no offshore da Madeira e o fabricante dos blindados no caso das falsas
contrapartidas. No governo, destacou-se pela amnistia fiscal aos Espírito Santo
que “lavou” as luvas dos submarinos e pela isenção milionária aos grandes
grupos económicos.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pode mesmo vir a ser o único
sobrevivente da vaga de demissões dos responsáveis pelo fisco português. Paulo
Núncio foi o primeiro a desmentir a existência de uma “lista VIP” de
contribuintes protegidos das consultas dos funcionários da administração
fiscal, para depois se ver desmentido pelos factos. Mas esta polémica, em torno
da proteção do cadastro fiscal de Passos Coelho, Paulo Portas, Ricardo Salgado,
Cavaco Silva e muitos outros, não é a primeira em que o secretário de Estado está
envolvido.
No seu currículo de advogado fiscalista tem as sociedades Morais Leitão,
Galvão Teles & Associados (MLGTS) e Garrigues & Associados, desde 2007
até à entrada no Governo. Na primeira, esteve ligado ao ramo do escritório para
o offshore da Madeira, sendo representante da MLGTS Madeira Management &
Investment SA (link is external). Esta sociedade foi apontada no livro Suite
605 como a criadora de um grupo de 112 sociedades com o mesmo nome, operação de
clonagem que levou a investigações judiciais com origem em Itália. Antes das
eleições de 2011, foi chamado por Paulo Portas para as reuniões com a troika,
na altura apresentadas como “negociações”.
A maior amnistia fiscal de sempre ao dinheiro escondido no estrangeiro
Logo no primeiro Orçamento de Estado, é criado o terceiro Regime Especial de
Regularização Tributária (RERT III), que permitiu a quem escondeu dinheiro em
contas no estrangeiro legalizar a situação e proteger-se de futuras condenações
a troco de uma taxa de 7,5% sobre o montante declarado. Ao contrário dos dois
RERT anteriores, sob o governo Sócrates, este não obrigou ao repatriamento dos
capitais, servindo apenas para os amnistiar. A descoberta do esquema de fuga de
capitais revelado pela investigação Monte Branco levou ao prolongamento do
prazo de candidatura a esta amnistia fiscal. Foi um recorde: 3.4 mil milhões de
euros legalizados, mais do que nos RERT I e II juntos.
Entre outros negócios obscuros, o RERT III serviu para ilibar os
dirigentes do Grupo Espírito Santo de qualquer acusação a respeito das luvas
recebidas pela compra dos submarinos ao consórcio alemão, permitindo ao
Ministério Público dar por encerrada a investigação. Paulo Núncio também esteve
ligado aos RERT anteriores, mas então no apoio aos beneficiários, ao serviço da
Garrigues & Associados. Em 2010, explicava esse regime aos seus clientes
como uma “amnistia fiscal” que garante "um escudo protetor (relativamente
aos valores declarados) de todas as obrigações fiscais e mesmo de todas as
infrações cometidas”. Dois anos depois, falando ao Expresso sobre o RERT III,
que criara enquanto governante, garantia que "o Governo rejeita expressões
como 'amnistia fiscal' ou 'perdão fiscal'".
A isenção fiscal às
SPGS
Poucos meses depois de entrar no governo, um despacho assinado por Núncio
isentou os grandes grupos económicos do pagamento de milhões de euros em
impostos. "Na prática, uma empresa que pague um euro de uma sua
subsidiária pode estar isenta de milhões de euros das sedes dessas
empresas", explicou na altura o deputado bloquista Pedro Filipe Soares.
O despacho sobre a tributação dos dividendos dos grupos com sociedades
gestoras de participações sociais (SGPS) resultou da polémica venda da empresa
telefónica Vivo por parte da Portugal Telecom, cujas mais-valias avaliadas em 6
mil milhões de euros não pagaram um cêntimo de imposto. O labirinto montado
para as SGPS por empresas de advogados como a de Paulo Núncio, com recurso a
sociedades offshore ou paraísos fiscais como o Luxemburgo, permitia-lhes escapar
a esta tributação. O despacho assinado pelo Secretário de Estado ajudou ainda
mais as grandes empresas a escapar ao pagamento de milhões de euros em
impostos. Em 2014, uma auditoria do Tribunal de Contas acusou o Governo de
esconder a concessão de benefícios fiscais (link is external) às SGPS no valor
de 1045 milhões de euros.
As contrapartidas dos negócios militares
Se foi com o RERT III de Paulo Núncio que os
beneficiários do negócio dos submarinos escaparam à lei, o próprio Secretário
de Estado teve um papel importante, enquanto representante da austríaca Steyr,
no negócio-fantasma das contrapartidas pela aquisição de blindados para o
exército. Na abertura do concurso, Paulo Portas era ministro da Defesa e coube
também ao líder do CDS adjudicar a compra dos Pandur à empresa representada por
Núncio. Essa decisão é tomada já depois de Jorge Sampaio ter demitido o seu
governo e justificada com a promessa de que isso faria renascer a entretanto
encerrada fábrica da Bombardier na Amadora. Sete anos depois, o acordo era
denunciado por incumprimento de prazos e outras obrigações da Steyr, entretanto
adquirida por um fabricante norte-americano. Só em 2014 houve acordo para
terminar o litígio do Estado com a empresa.
Em declarações
na comissão parlamentar de inquérito, em 2014, o empresário Francisco Pita, da
Fabrequipa, empresa do Barreiro subcontratada para o fabrico dos blindados,
afirmou ter sido “obrigado” a adquirir uma empresa sem qualquer atividade e que
detinha os direitos das contrapartidas, a GOM. E quando a Fabrequipa é
pressionada a assinar contrapartidas que não queria, Pita recorda a presença de
Paulo Núncio em representação da Steyr. Já nessa altura, a maioria PSD/CDS
protegeu Paulo Núncio, impedindo a sua audição e esclarecimento do seu papel
neste negócio.
STJJ -
Sociedade, Tributos, Justiça e Juricidade.