quarta-feira, 27 de maio de 2020

A VIDA, A SAÚDE, A JUSTIÇA

Traduzo a opinião de Eloi Laurent, economista, professor de Sciences Po (em Paris) e na universidade de Stanfort, sobre a crise humanitária atual e, do seu ponto de vista,  quais as prioridades na pospandemia, se a humanidade quiser precaver-se contra novas irrupções ainda mais trágicas do que a que se está a viver. (em Alternatives Economiques, mai 2020). 
Embora o autor tenha a França na mira, as propostas que avança aplicam-se a qualquer país.
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   "A crise da epidemia de Covid-19 não é uma «oportunidade». Não tem, nem «interesse», nem «mérito», nem «virtude». É um desastre humano cuja resposta induz um outro desastre humano. Mas esta crise tem consequências das quais é necessário esperar que possamos tirar lições úteis para o futuro, de modo a que se evitem novos choques e se atenuem os choques que não pudermos evitar. Um das consequências é que as comunidades humanas do mundo inteiro revelaram a saúde, como prioridade comum, e não o crescimento económico.Mas esta convergência coloca, pelo menos dois problemas importantes.
   O primeiro reside no facto de muitos governos, entre os quais a França, enveredarem pelo estado de urgência sanitário de forma autoritária. A França é um dos raros países do mundo cujos cidadãos estão hoje obrigados a preencher atestados administrativos para terem direito a alimentar-se, a apanhar ar ou a ir tratar-se. Há todas as razões para temer a duração desta imensa e brutal regressão das liberdades públicas, tanto mais quanto se segue a uma deriva policial que valeu, nos últimos anos, «ao país dos direitos humanos» várias condenações por parte de instâncias europeias e internacionais.
O segundo problema é que a prioridade que deve efetivamente ser atribuída ao bem-estar humano, em detrimento de qualquer indicador de desempenho económico, para se exprimir  em tempo normal, tem de encontrar um regime de alta densidade democrática. Ora, a saúde, na França, na Itália ou na Espanha, tornou-se presa dos «cost-Killers» e de outros «racionalizadores orçamentais», cuja deriva se traduz sob o nosso olhar, dia após dia, em perda de vidas humanas: não há máscaras suficientes, batas suficientes, camas, equipamentos, braços suficientes, Profusão de coragem, compaixão em abundância e aplausos a horas preestabelecidas. 
   A epidemia do Covid-19, como todas as crises ecológicas, não ataca ao acaso, antes os mais fracos e os mais vulneráveis. Atrás da infeção transmissível, surge a grandeza da epidemia de doenças crónicas, algumas das quais  diretamente conetadas com a degradação ambiental, como as doenças e insuficiências respiratórias provocadas pela poluição do ar.
   Somos, por isso, chamados para uma dupla revolução: colocar a saúde no cerne das nossas políticas públicas,  colocar o ambiente no coração das nossas políticas sanitárias. 
   Na hora da ação, evitemos «relançar» um sistema económico capaz de produzir catástrofes humanas como esta. Importa, principalmente, refletir seriamente na criação de novos direitos sanitários e sociais  e numa nova prioridade dada ao bem-estar humano, de forma a responder ás exigências do presente sem agravar mais a injusta incerteza do futuro. O tríptico do desenvolvimento humano na idade das crises ecológicas desenha-se na dor: a vida, a saúde, a justiça.»
   









sábado, 23 de maio de 2020

Via para uma verdadeira mundialização

Alternatives économiques

A revista Alternatives Économiques de maio (nº 401) integra um dossier muito interessante sobre o período pospandemia: aborda as consequências do endividamento dos países, os reflexos sociais e políticos que irão sentir-se, a retoma do tecido empresarial, as relações comerciais, as carências das populações mais frágeis, a capacidade da UE para se transformar num catalisador de mudanças estruturais inevitáveis, quer no domínio económico, quer no bem-estar dos cidadãos.
Alain SupiotO jurista Alain Supiot, 
professor do Collège de France, titular da cadeira «Etat social et mondialisation: analyse juridique des solidarités», concede uma grande entrevista que deve ser lida e refletida, pelos avisos que lança e pela perspetiva rigorosa dos desafios que se colocam à humanidade tendente a inverter o rumo de uma globalização predadora e perigosa para o futuro do planeta.
Eis alguns excertos:

« Seul le choc avec le réel peut réveiller d' un sommeil dogmatique.»

(…) «La crise sanitaire sans précédent que nous traversons peut conduire au meilleur comme au pire. Le pire, ce serait qu'elle nourrisse les tendances déjà  lourdes aux repliements identitaires et conduise à transporter `l'échelon collectif des nations, ou des appartenances communautaires, la guerre de tous contre tous que le néolibéralisme a promue à l'echelon individuel.»

                                                                                                  23/5/2020